Lupercio Rizzo -
É difícil ver ou escutar para além das aparências, se isso sempre foi uma verdade, em tempos de imagens em redes sociais, frases de efeito e superficialidade, isso é ainda mais forte. Enxergamos o que queremos ver ou enxergamos o que realmente é? A resposta nos convida à obviedade, ou seja, vemos o que queremos ver. A questão é: nem sempre ou quase nunca notamos que estamos vendo o que queremos ver, temos a tendência a crer que os outros veem o que querem, mas nós não, nós conseguimos ver o que é, de fato, ou em outras palavras, vemos a verdade.
Muitas vezes faço referência ao texto do “Pequeno Príncipe”, e aqui relembro a frase que inclusive trago no braço: “só se se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”. Vale a lembrança, quando o Pequeno Príncipe perde a rosa para sempre, vem a convicção de que ela nunca morrerá uma vez que é única e que no coração de quem a ama ela nunca vai morrer. Exatamente por isso só se vê bem com o coração. O superficial desvanece.
E porque em uma sociedade que tanto expõe beleza e status, a ansiedade, o pânico e a depressão estão mais presentes do que em qualquer outro momento da história?
Não é possível responder a essa pergunta em um texto como esse, talvez nem em uma dezena deles, mas isso não impede que façamos ao menos uma tentativa de resposta. Aí vai: Porque não apenas deixamos cada vez mais de ver com o coração, mas especialmente porque talvez deixemos de ouvir nossos corações e em especial, nos recusamos a ver o outro para além das aparências. Decorre daí também a cultura do cancelamento onde tudo é fugaz e passageiro.
No ambiente de trabalho espera-se cada vez mais profissionalismo e exige-se que as pessoas sejam multitarefas, quase que contradizendo a tese de que temos aptidões para esse ou aquele serviço. Espera-se que resultados venham apesar de qualquer adversidade, olha-se para humanos, mas espera-se, resultados de máquinas. Alguém dirá, mas isso é o mundo corporativo, e o resultado é o mais importante, ou melhor, é só o que importa. Ok, desde que se tenha a clareza de compreender que a tristeza é o subproduto.
Na educação temos visto a proliferação da tecnologia massificando e popularizando o acesso a informação, mas confunde-se acessar com compreender, o número de pessoas em cursos superiores ou em alguma formação vem crescendo e, por triste que seja, na mesma proporção cresce o número de profissionais com formação deficiente ou de cidadãos incapazes de compreender a profundidade do que é ser um “ser humano”.
Ver e falar com o coração significa ser honesto consigo mesmo, olhar para as pessoas e aceitar que cada ser, é um infinito de possibilidades, que ser um gestor implica em entender processos, mas especialmente conhecer pessoas. Ser educador exige ver para além dos textos e números e que viver é entender silêncios, saber falar e aprender a calar, saber chegar, mas poder partir.
Gabriel Garcia Márquez, em “Cem anos de Solidão”, dá o recado logo na primeira página: “As coisas têm vida própria, é só questão de despertar suas almas”
Que possamos ser capazes de tocar as almas daqueles que estão conosco, e que percebamos nossa incapacidade, quando ela existir. E que respeitemos essa incapacidade com a distância da vista, com paz de espírito, mas com o olhar do coração.